De estresse todo mundo já ouviu falar. Muitos o conhecem bem, são íntimos como se fossem amigos inseparáveis, e tem consciência disso. Outros o ignoram, mesmo sofrendo seus efeitos. Se a vida corrida que levamos hoje em dia fosse um filme, o estresse seria certamente um dos vilões principais na mente das pessoas. E se pudéssemos, no entanto, transformá-lo em um grande amigo que nos fizesse viver melhor? Será que é possível isso?
Comecemos com seus benefícios
Primeiramente, vamos imaginar uma situação de perigo extremo. Depois veremos outra mais branda, porém ambas benéficas. Imagine que você está de férias e decide sair da cidade (repleta do estresse malvadão) e passear no campo. Quer ficar sozinho e apreciar a natureza, embrenhando-se na mata, ou ir pescar com os amigos e relaxar. Seja lá como for, de repente escuta o rugido, alto e claro, de uma onça por perto. Nesse momento várias coisas acontecem em seu corpo. Uma delas é que o cortisol, um hormônio, é imediatamente liberado em sua corrente sanguínea. Isso provoca uma imediata liberação de glicose, pois agora é necessária muita energia, seja para lutar, seja para fugir. Além do cortisol, também são liberadas a adrenalina e a noradrenalina. A primeira vai aumentar a frequência cardíaca, aumentar o fluxo sanguíneo para os músculos e melhorar a oxigenação pela dilatação das vias aéreas. Já a noradrenalina, atuando no sistema nervoso, aumentará o nível de atenção e alerta. Boa parte do desfecho dependerá da onça, é claro, mas a capacidade de fuga ou luta aumentou consideravelmente, melhorando as chances de sobrevivência.
Porém, não é necessário viver uma situação de extremo perigo para que o estresse apareça também de maneira positiva. Imaginemos outra situação, essa bem menos drástica. O quadro é o mesmo, mas sem onça. O passeio é maravilhoso e você deseja continuar nele, mas não levou nenhum lanche, e a fome aparece. Nesse caso, novamente o cortisol aparece, agora para levá-lo à ação de buscar o alimento. A dopamina lhe dará a motivação (para saber mais sobre a dopamina CLIQUE AQUI), mas antes disso é o cortisol que lhe trará o desconforto que o fará passar à ação. Não o desejo, mas a necessidade de fazer algo.
Esses são apenas dois exemplos hipotéticos para entendermos o papel do cortisol, mas se pensar um pouco verá que as situações concretas em que ele atua no nosso dia a dia são inúmeras, seja pelos acontecimentos de medo ou perigo (basta uma buzinada no trânsito para que o mecanismo seja ativado), seja pelas necessidades que encaramos. Isso já nos permite entender que o papel de vilão atribuído ao cortisol não é nada justificado.

Mas nem tudo são flores
No entanto, o necessário cortisol nos faz bem somente enquanto bem regulado, trabalhando em um corpo e mente em harmonia com o meio ambiente e consigo mesmo. Talvez você nunca tenha se dado conta da quantidade de fatores ambientais, psicológicos e comportamentais a que estamos submetidos em nossa vida moderna. Em quais desses aspectos você se enquadra:
- Privação de sono ou sono da má qualidade
- Barulho excessivo
- Consumo excessivo de açúcar e carboidratos
- Sedentarismo (reduz a capacidade do corpo de regular os hormônios)
- Ansiedade
- Depressão
- Excesso de notificações no celular e uso de mídias sociais, que desregulam a dopamina
- Atividades repetitivas em ambientes fechados
- Dificuldades econômicas, dívidas, medo de perder o emprego
- Problemas de relacionamento (familiares, no trabalho etc.)
- Excesso de trabalho
- Excesso de álcool
- Doenças crônicas e excesso de medicamentos
- Solidão
E esses são apenas alguns exemplos, mas são suficientes para percebermos o tamanho do problema de quando as coisas saem do eixo e o cortisol se torna causa de estresse crônico. Por vezes apenas uns poucos aspectos são determinantes para o surgimento de um estresse crônico com efeitos devastadores, como o vício em redes sociais ou a dependência tecnológica. O estresse crônico leva as pessoas a viverem em um estado de constante tensão e o descanso não é reparador o suficiente. É como se estivessem a todo momento ouvindo o rugido de uma onça. É como ter o corpo constantemente inflamado, e, como se diz, um dia a fatura chega. David Phillips, em seu livro “Seis substâncias para viver bem”, faz uma analogia muito interessante com um jardim, onde as plantas são os hormônios e os neurotransmissores necessários para o bom funcionamento do corpo:
“Imagine-se como um jardineiro. Você criou um jardim espetacular, repleto de flores deslumbrantes. As rosas simbolizam a serotonina, e as tulipas, a dopamina. Você também cultiva flores que personificam a testosterona, o estrogênio e a progesterona. A ocitocina se assemelha a um girassol alto e bonito. Você sente um orgulho legítimo desse magnífico e exuberante jardim. Então, um dia, enquanto cuida das roseiras, você sente uma gota d’água cair no braço e, com um sorriso no rosto, constata: Finalmente vai chover! Você entra em casa, prepara uma xícara de chá e se acomoda junto à janela, admirando a chuva que nutre o jardim. Você compreende que essa chuva é exatamente o que o seu jardim precisa para se desenvolver, da mesma forma que podemos afirmar sobre o estresse: em pequenas e esporádicas doses, ele é essencial para o nosso bem-estar. No entanto, em breve você começa a se preocupar com a persistência da chuva, que cai por semanas a fio. Olha para o jardim, agora apenas uma memória desbotada dos seus anos de glória: murcho, encharcado, moribundo e cinza. Essa situação representa o efeito do estresse prolongado. É fato que o estresse crônico pode afetar direta e indiretamente as seis substâncias analisadas neste livro. Não surpreende que anos de estresse crônico nos conduzam a uma condição de terrível mal-estar.
Você consegue adivinhar o que a maioria das pessoas faz para se reerguer após situações semelhantes? Compras, viagens, jantares caros, idas ao cinema, reformas em casa. No entanto, tão logo uma dessas atividades chega ao fim, o estresse e a negatividade recomeçam, e as pessoas passam a se sentir tão tristes quanto antes. Mas voltemos à analogia do jardim: em um momento de pânico, você, o jardineiro, corre para plantar novos hibiscos, roseiras e tulipas. Por um curto período, o jardim renasce, mas logo cede novamente diante da chuva interminável.
A longo prazo, a única medida que faz a diferença é reduzir a quantidade de chuva, ou seja, do estresse crônico que afeta você. Os resultados dessa escolha podem ser notáveis e surpreendentes. Imagine o que acontece com seu jardim quando o sol volta a banhá-lo e os canteiros secam, com a chuva aparecendo apenas em breves intervalos entre os dias ensolarados. Ele se recupera sozinho. Você fica ali, observando pela janela, enquanto as flores brotam e todas as cores e a vitalidade reaparecem, sem que você faça qualquer esforço. A vida segue o mesmo princípio.
O que fazer, então?
Em muitos casos, o estresse não existe por si só, mas é resultado de uma interpretação da realidade que se está experimentando. Por que motivo em situações semelhantes uma pessoa fica tranquila enquanto outra experimenta tristeza ou mesmo depressão? Vejamos, pois, algumas coisas práticas de como ligar com esse problema.
- Reconhecer que o problema existe e que é importante
As consequências do estresse crônico incluem excesso de peso, pressão alta, gastrite e outros problemas digestivos, desânimo, baixa imunidade, problemas de memória, insônia e outros mais. É muito ruim “deixar para lá” ou achar que com o tempo isso passará. Todo efeito tem uma causa, e se não atuar nas causas os efeitos permanecerão, não desaparecerão por si mesmos. É inútil fazer sempre as mesmas coisas e esperar que os resultados sejam diferentes. Lembre-se de que em muitas doenças crônicas não se sente dor, o que não significa que a doença não exista. Até que um dia os efeitos acumulados explodam como uma bomba-relógio. Quantas pessoas pensavam que estavam bem até que subitamente tiveram um infarto? O problema estava lá, somente não se aperceberam até que fosse tarde demais. Não se engane. O estresse crônico é fonte de muitos e graves males, e sempre cobra o seu preço.
- Faça um mapa
Como sugere David Phillips (já citado), faça um “mapa do estresse”. Tire um momento para pensar seriamente na forma em que você vive e identifique as causas de estresse crônico que você possui. Bebida, prazos apertados, excesso de trabalho, responsabilidades excessivas, problemas de relacionamento familiares ou profissionais, notificações em excesso, problemas financeiros, pessimismo, sedentarismo ou outros maus hábitos? Antes de ir para a guerra, conheça o inimigo. Entrar na batalha às cegas não trará bons resultados.
- Vá à guerra!
Agora que já se deu conta da importância e identificou as fontes de estresse, é hora do combate, que se dá em duas frentes. A primeira é de caráter geral, e a segunda particular. A primeira diz respeito ao estilo de vida como um todo. Mais tempo para lazer ou para a família, por exemplo. Ou estabeleça um tempo para meditação diária, buscar relações sociais agradáveis e prazerosas que relaxam (isso é ligado à liberação de ocitocina), ter uma rotina de exercícios, fazer exercícios de respiração, etc. Tudo isso contribui, e muito, para regular os níveis hormonais e aliviar o estresse crônico.
A segunda frente de batalha é contra os aspectos particulares que identificou. Excesso de trabalho? Estabeleça limites. Achar que o importante é ficar rico primeiro e que depois tudo se resolve é um grande engano. Ter muito dinheiro não significa viver bem. Também os ricos se embriagam e fazem terapia, porque na verdade ter dinheiro não garante de modo algum ter saúde física e psicológica. Excesso de notificações e de redes sociais, falta de exercícios físicos, conflitos internos e externos, pressão familiar? Seja lá o que for, olhe o inimigo nos olhos e veja como combater em cada caso.
- Crenças e valores
Todos temos crenças e valores que desenvolvemos ou nos foram inculcados desde criança. Mas eles nem sempre são bons. A maneira como fomos educados, nossas experiências pessoais, nossos sofrimentos e traumas nos levaram a ser o que somos hoje. Porém, é muito ruim “viver no automático”, ou seja, no fundo viver com valores, sejam particulares, sejam sociais (o que todo mundo pensa) que nos são extremamente prejudiciais e também levam a uma vida de estresse. Sim, o assunto é muito complexo e não pode ser entendido com poucas palavras, mas também não pode ser ignorado quando falamos de estresse crônico.
POR FIM…

Aumente o seu bom estresse!
Como já vimos, o mecanismo do estresse, por si, é benéfico e necessário. Imagine, por um instante, o nível de estresse que experimenta uma gazela que, estando pastando tranquilamente, de repente é atacada por um felino. Cortisol, adrenalina, noradrenalina, batimentos cardíacos, glicose, esforço muscular, tudo nas alturas. Porém, se o desfecho for favorável a ela e o ataque tiver sido frustrado, dez minutos depois você a verá pastando tranquilamente, como se nada tivesse acontecido. Ela sobreviveu, o estresse cumpriu seu papel e ela inda ficou mais forte do que antes. Portanto, una o cortisol à dopamina e faça algo parecido. O primeiro lhe causará um desconforto e o ímpeto de agir, enquanto a outra lhe trará a motivação e o desejo de agir. Entregue-se ao bom estresse. Banho gelado, exercícios físicos, um desafio estimulante, uma competição em algo que gosta… As possibilidades são inúmeras. Escolha o seu bom estresse e acabe com o malvadão.
FONTES
- Harvard Health Publishing – Understanding the stress response
https://www.health.harvard.edu/staying-healthy/understanding-the-stress-response - G1 – Como o estresse afeta o cérebro e o corpo
- Tua Saúde – Cortisol alto: o que pode ser, sintomas e como baixar
https://www.tuasaude.com/cortisol-alto/