Rapidinhas: A obsessão em como vencer

A maioria dos esportistas, quando vence, parece surpresa por ter vencido. Os vencedores não: eles esperam vencer. Napoleão escreveu: “Se você não quer se surpreender com as vitórias, não pense apenas nas derrotas”. Entre os maiores, a satisfação da realização raramente dura muito tempo. Os vencedores têm dificuldade em saborear suas vitórias, enquanto suas derrotas podem obcecá-los: “Não há equilíbrio em suas sensações: eles esperam vencer e muitas vezes vencem, de modo que a vibração da vitória não é tão forte quanto costumava ser. Mas quando perdem, as profundezas da derrota são maiores” (John Madden, técnico de futebol americano e comentarista de televisão). Para os campeões, vencer é um vício (como o vício em uma droga). Perder é asfixia. O nível de estímulo exigido é cada vez mais alto, e a expectativa, cada vez maior. A necessidade de aumentar as doses para reviver o êxtase de uma nova vitória, a “injeção de adrenalina”, leva-os a uma espiral de insatisfação sem fim.

Vencer ou nada. Essa é a força dos grandes vencedores? Uma obsessão? Uma forma de cegueira? Um “estado de limite” permanente e criado por eles mesmos, em que você vence porque não tem escolha? É uma fúria desumana de vencer, nascida do medo, que o leva ao topo?

Não vamos cair na caricatura: o campeão procura querer vencer a todo custo para preencher o vazio dentro dele. Ou o campeão não gosta de si mesmo, portanto não tem nada a perder, daí o fato de assumir riscos, daí a criação, daí as façanhas. Mas vamos nos atrever a fazer a conexão entre um sentimento de impotência (ou fragilidade) e um ego superdimensionado, um “eu grandioso”; entre o sofrimento psicológico e a explosão de doação; entre a ansiedade da derrota e a necessidade de acumular feitos. Ousemos chamar seu desejo de vencer de “fúria”. O dramaturgo Daniel Emilfork conta a história de como um dia ele ousou perguntar: “Mamãe, é verdade que sou feio?  E essa mulher maravilhosa, que nunca mentiu para mim, disse: ‘Sim, Daniel, você é feio’. Naquele dia, decidi conquistar o mundo!”. As melhores performances, portanto, geralmente ocorrem em um estado de extrema tensão, quando o campeão se sente investido de uma missão, quando é uma questão (simbolicamente) de vida ou morte, e ele não se dá o direito de perder.

 

Jérôme Thomas, campeão mundial de boxe amador, diz:

Nasci com deformidades (braço esquerdo mais curto; mão esquerda menor que a direita; ausência de músculos peitorais esquerdos, o que tornava meu coração vulnerável a pancadas). Foi por isso que me revoltei contra o destino. Hoje, não importa quantas pessoas me digam que sou campeão mundial, parece que não consigo superar isso. Sempre escondo minha mão esquerda no bolso e nunca tiro minha camisa. Tenho medo de que as pessoas não vejam em mim o esportista, mas sim a pessoa com deficiência.

Vamos apostar que, quando Jérôme Thomas subiu ao ringue para disputar o título mundial, ele não se deu o direito de perder.

Como diz o psicanalista Franck Chaumont: “Há pessoas que fazem coisas maravilhosas com seus sintomas e há pessoas que fazem coisas horríveis com sua normalidade”. Essas observações podem parecer decepcionantes para aqueles que esperavam uma receita mais humana e mais construtiva – na linha de “como ser feliz e vencer” – ou uma dose inteligente de “sucesso/bem-estar” que você mesmo pode administrar para fortalecer sua mente. Cada um funciona de maneira diferente: uma pessoa quer vencer pela mãe, outra pelo irmão, outra porque é muito pequena; mesmo assim, é isso que podemos dizer conscientemente a nós mesmos. Mas, no final, será que realmente sabemos por que e para quem estamos ganhando? Seja como for, essa mentalidade – de vencedores “atormentados” – não deve ser imitada. Ela vem da vida. É o que outro boxeador, Leon Spinks, também campeão mundial, tinha a dizer quando afirmou: “O boxe talvez seja menos difícil que a vida”.

François Ducasse, Cabeça de campeão

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