Os mitos alimentares são crenças populares que persistem, muitas vezes sem base científica, influenciando escolhas nutricionais e hábitos. Alimentos como cenoura, espinafre, ovo, mel e chocolate são frequentemente associados a ideias exageradas ou equivocadas, seja por tradições culturais, marketing ou erros históricos. Este artigo explora 10 mitos alimentares relacionados a alimentos específicos, detalhando o mito, a realidade com base em evidências científicas e a origem de cada crença.
1. Cenoura faz bem para a visão
O mito
Comer cenouras melhora significativamente a visão, especialmente em condições de pouca luz, podendo até corrigir problemas oculares ou permitir enxergar no escuro.
A realidade
As cenouras são ricas em betacaroteno, um precursor da vitamina A, essencial para a saúde ocular. A vitamina A contribui para a produção de rodopsina, um pigmento usado em baixa luminosidade, e sua deficiência pode causar cegueira noturna. No entanto, para pessoas com níveis adequados de vitamina A, comer mais cenouras não melhora a visão além do normal. Um estudo da American Academy of Ophthalmology (2016) confirma que o excesso de betacaroteno não aprimora a acuidade visual em indivíduos saudáveis. Cenouras são nutritivas, mas não têm poderes “mágicos” para a visão.
Origem do mito
Esse mito surgiu durante a Segunda Guerra Mundial. A Força Aérea Britânica atribuiu o sucesso de seus pilotos em combates noturnos ao consumo de cenouras, como propaganda para despistar o uso de radares, uma tecnologia secreta na época. A história se popularizou e persiste até hoje.
2. Espinafre melhora a força física
O mito
Comer espinafre proporciona um aumento imediato de força física ou energia, como ilustrado pelo personagem Popeye, que ganha força sobre-humana ao consumi-lo.
A realidade
O espinafre é um vegetal altamente nutritivo, rico em ferro, vitaminas A, C, K, folato e antioxidantes. O ferro não-heme (menos absorvível que o de carnes) contribui para a formação de hemoglobina, que transporta oxigênio, mas seus efeitos são graduais e dependem de uma dieta equilibrada. Estudos, como os do Journal of Nutrition (2019), mostram que o espinafre apoia a saúde geral, mas não há evidências de que cause um “impulso” imediato de força. A ideia de força instantânea é uma fantasia.
Origem do mito
O mito foi popularizado pelo personagem Popeye, criado em 1929. A crença pode ter sido reforçada por um erro histórico: em 1870, um cientista publicou que o espinafre tinha 10 vezes mais ferro do que realmente possui, devido a um erro de digitação. Embora corrigido, o equívoco alimentou a fama do espinafre.
3. Comer muito ovo faz mal
O mito
O consumo frequente de ovos, especialmente da gema, aumenta o colesterol sanguíneo e eleva o risco de doenças cardíacas, sendo prejudicial à saúde.
A realidade
O colesterol presente nos ovos tem um impacto mínimo no colesterol sanguíneo para a maioria das pessoas. O corpo humano produz cerca de 80-85% do colesterol no fígado, enquanto apenas 15-20% vem da alimentação. Estudos, como os do American Journal of Clinical Nutrition (2018), mostram que comer 1-2 ovos por dia não eleva significativamente o colesterol LDL (“ruim”) em indivíduos saudáveis e pode até aumentar o HDL (“bom”). Ovos são ricos em proteínas, colina, vitamina B12 e antioxidantes como luteína, sendo um alimento nutritivo. O risco cardiovascular está mais ligado a gorduras trans e açúcares do que aos ovos.
Origem do mito
Na década de 1960, estudos associaram o colesterol dietético a doenças cardíacas, levando a recomendações para limitar ovos. Essas diretrizes, baseadas em dados limitados, foram revisadas, mas a crença persiste devido à disseminação inicial e à má interpretação do papel do colesterol.
4. Mel nunca estraga e é sempre seguro comer
O mito
O mel é um alimento que nunca estraga, permanecendo seguro para consumo mesmo após anos, independentemente das condições de armazenamento.
A realidade
O mel possui propriedades antimicrobianas, como baixo teor de água, alta acidez e peróxido de hidrogênio natural, que dificultam o crescimento de bactérias e fungos. Arqueólogos encontraram mel comestível em tumbas egípcias de milhares de anos. Contudo, o mel pode conter esporos de Clostridium botulinum, perigosos para bebês menores de 1 ano, podendo causar botulismo. Além disso, mel armazenado inadequadamente (em locais úmidos) pode fermentar ou desenvolver mofo. A Food and Drug Administration (FDA) recomenda armazenamento em local seco e fresco e alerta contra o uso por certos grupos.
Origem do mito
A longevidade do mel, combinada com seu uso histórico como conservante e agente antibacteriano em culturas antigas, como no Egito, criou a ideia de que é “eternamente seguro”. O marketing moderno reforça essa percepção.
5. Chocolate causa acne
O mito
Comer chocolate, especialmente o ao leite, é uma causa direta de acne, levando a surtos de espinhas após o consumo.
A realidade
Não há evidências sólidas de que o chocolate, por si só, cause acne. A acne está mais ligada a fatores hormonais, estresse, genética e produção excessiva de sebo. Estudos, como os do Journal of the American Academy of Dermatology (2016), indicam que chocolates com alto teor de açúcar ou laticínios podem, em algumas pessoas, contribuir indiretamente para a acne, já que laticínios podem estimular glândulas sebáceas. Chocolates amargos (70% cacau ou mais) têm menor associação com o problema. A relação é mais complexa do que o mito sugere.
Origem do mito
O mito surgiu porque adolescentes, que frequentemente têm acne devido a mudanças hormonais, também consomem muito chocolate, criando uma correlação errada. Estudos iniciais, mal interpretados, reforçaram a ideia.
6. Comer uma maçã por dia mantém a saúde
O mito
O ditado “an apple a day keeps the doctor away” sugere que comer uma maçã diariamente é suficiente para prevenir doenças e garantir saúde plena.
A realidade
Maçãs são nutritivas, ricas em fibras (pectina), vitaminas C e K, antioxidantes (quercetina) e compostos que apoiam a saúde digestiva e cardiovascular. Um estudo do British Medical Journal (2013) mostrou que o consumo regular de frutas, como maçãs, está associado a menor risco de doenças crônicas. No entanto, uma maçã sozinha não garante saúde completa. A prevenção de doenças depende de uma dieta equilibrada, exercício, sono adequado e outros fatores. O ditado exagera o impacto de um único alimento.
Origem do mito
O ditado surgiu no País de Gales no século XIX, como uma variação de provérbios sobre frutas. A frase ganhou popularidade nos EUA no início do século XX, promovida por campanhas de produtores de maçãs, que capitalizaram sua simplicidade cativante.
7. Alho previne gripes e resfriados
O mito
Consumir alho (cru, cozido ou em suplementos) previne gripes e resfriados ou acelera a recuperação dessas infecções.
A realidade
O alho contém alicina, um composto com propriedades antimicrobianas que pode ter efeitos leves contra bactérias e vírus. Um estudo do Cochrane Database of Systematic Reviews (2014) sugeriu que o alho pode reduzir ligeiramente a incidência de resfriados, mas as evidências são limitadas e inconclusivas, especialmente para curar infecções virais. O alho apoia a saúde imunológica e cardiovascular, mas não é uma solução milagrosa. Práticas como lavar as mãos e manter uma dieta equilibrada são mais eficazes para prevenção.
Origem do mito
O alho é usado há séculos na medicina tradicional, desde a Grécia Antiga até a medicina ayurvédica, como “antibiótico natural”. Sua reputação foi amplificada por relatos anedóticos e pela crença em alimentos com propriedades medicinais.
8. Batata é um alimento vazio e desprovido de nutrientes
O mito
A batata é considerada um carboidrato “vazio”, com pouco ou nenhum valor nutricional, devendo ser evitada em dietas saudáveis.
A realidade
Batatas são ricas em nutrientes, incluindo potássio (mais que bananas), vitamina C, fibras (especialmente com casca), vitamina B6 e antioxidantes, como compostos fenólicos. Um estudo do Journal of Agricultural and Food Chemistry (2016) destaca que batatas cozidas, assadas ou preparadas sem gordura são uma fonte acessível de energia e nutrientes. O problema está em preparos calóricos, como frituras ou purês com creme. Consumida com moderação, a batata é um alimento saudável e versátil.
Origem do mito
A má reputação da batata vem de sua associação com fast-food (batata frita) e preparos gordurosos. A popularidade de dietas low-carb também contribuiu para a ideia de que carboidratos, como a batata, são “desnecessários”.
9. Comer beterraba é bom para quem tem anemia
O mito
A beterraba é rica em ferro e, por isso, é um alimento ideal para tratar ou prevenir anemia, especialmente por sua cor vermelha, associada ao sangue.
A realidade
A beterraba contém ferro, mas em quantidades modestas (cerca de 0,8 mg por 100 g), e é ferro não-heme, menos absorvível que o ferro heme de carnes. Um estudo do American Journal of Clinical Nutrition (2017) mostra que alimentos como carne vermelha, fígado e leguminosas são mais eficazes para tratar anemia por deficiência de ferro. A beterraba é nutritiva, rica em folato, manganês e nitratos (que apoiam a circulação), mas seu impacto na anemia é limitado. A cor vermelha vem de betalaínas, não de ferro.
Origem do mito
A cor vermelha intensa da beterraba levou à associação com sangue e ferro na medicina popular. Relatos anedóticos e a crença em “alimentos que lembram órgãos” reforçaram o mito.
10. Carne vermelha faz mal para o coração
O mito
O consumo de carne vermelha, como carne bovina ou suína, é diretamente responsável por doenças cardíacas, câncer e outros problemas de saúde, devendo ser evitado para proteger o coração e promover a longevidade.
A realidade
Não há evidências científicas sólidas que estabeleçam uma relação direta entre o consumo de carne vermelha e doenças como câncer ou infarto. A carne vermelha é uma excelente fonte de nutrientes essenciais, incluindo proteínas de alto valor biológico, ferro heme (altamente absorvível), zinco, selênio e vitamina B12, que são fundamentais para a saúde muscular, imunológica e neurológica. Estudos recentes, como uma meta-análise publicada no Annals of Internal Medicine (2019), concluíram que o consumo de carne vermelha não está associado a um aumento significativo no risco de doenças cardiovasculares ou câncer em populações saudáveis. Revisões adicionais, como as do American Journal of Clinical Nutrition (2020), reforçam que os supostos riscos da carne vermelha foram amplamente exagerados, especialmente quando comparados aos efeitos de dietas desequilibradas ou ultraprocessados. A carne vermelha, seja magra ou com gordura, pode ser parte de uma dieta saudável sem implicações negativas para o coração ou outros sistemas.
Origem do mito
O mito de que a carne vermelha faz mal para o coração tem raízes em estudos mal conduzidos, especialmente a pesquisa de Ancel Keys, publicada na década de 1950, conhecida como o Seven Countries Study. Keys sugeriu que o colesterol e a gordura saturada, presentes em alimentos como a carne vermelha, eram as principais causas de infarto. No entanto, sua metodologia foi amplamente criticada por ser fraudulenta: Keys selecionou dados de apenas sete países que corroboravam sua hipótese, ignorando dados de outros 15 países que mostravam pouca ou nenhuma correlação entre consumo de gordura e doenças cardíacas. Por exemplo, países como a França e a Suíça, com alto consumo de gordura e baixa incidência de infartos, foram excluídos. Essa manipulação de dados criou uma narrativa que demonizou a carne vermelha, influenciando diretrizes nutricionais por décadas. A ascensão de movimentos vegetarianos e a má interpretação de estudos observacionais posteriores reforçaram o mito, apesar de evidências mais robustas o desmentirem.
Conclusão
Os mitos alimentares sobre cenoura, espinafre, ovo, mel, chocolate, maçã, alho, batata, beterraba e carne vermelha ilustram como tradições, erros históricos e marketing podem distorcer a percepção sobre alimentos. Embora esses alimentos tenham benefícios reais – como o suporte nutricional da batata ou os antioxidantes da maçã –, as alegações exageradas ou infundadas carecem de respaldo científico. A chave para uma alimentação saudável é o equilíbrio, a moderação e a busca por informações confiáveis, preferencialmente com orientação de bons e atualizados nutricionistas. Desvendar esses mitos ajuda a fazer escolhas conscientes, aproveitando o melhor que cada alimento oferece sem cair em promessas milagrosas ou temores infundados.
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Fontes:
- “Carrots and Eye Health: Myth or Reality?”. American Academy of Ophthalmology, 2016.
Disponível em: https://www.aao.org/eye-health/tips-prevention/carrots-eye-health-myth-or-reality - “Dietary Iron and Muscle Strength: The Role of Spinach”. Journal of Nutrition, 2019.
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- “Honey: Safety and Storage Guidelines”. Food and Drug Administration (FDA).
- “The Relationship Between Chocolate Consumption and Acne”. Journal of the American Academy of Dermatology, 2016.
- “Fruit Consumption and Chronic Disease Risk”. British Medical Journal, 2013.
Disponível em: https://www.bmj.com/content/347/bmj.f5001 - “Garlic for the Common Cold”. Cochrane Database of Systematic Reviews, 2014.
Disponível em: https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD006206.pub4/full - “Nutritional Composition of Potatoes”. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 2016.
- “Iron Content in Plant-Based Foods and Anemia”. American Journal of Clinical Nutrition, 2017.
- “Red Meat Consumption and Cardiometabolic Outcomes”. Annals of Internal Medicine, 2019.
Disponível em: https://www.acpjournals.org/doi/10.7326/M19-0622 - “Revisiting the Role of Red Meat in Cardiovascular Health”. American Journal of Clinical Nutrition, 2020.
- “Mitos e verdades sobre a alimentação”. Atlas da Saúde, 2015.
- “Conheça mitos e verdades sobre a alimentação”. CEJAM, 2023.
- “Mitos e verdades sobre alimentos”. Hospital de Cruzília, 2024.
- “Verdade ou mentira? 10 principais mitos alimentares”. SAPO Lifestyle, 2024.