“Deixe o messias terminar a lição de casa, depois ele pode ir jogar golfe!” Foi isso que disse a mãe de Tiger Woods. “Tiger” foi o apelido dado a Woods por seu pai em homenagem ao companheiro que salvou sua vida durante a Guerra do Vietnã, no meio da selva, e esse apelido se tornou o primeiro nome oficial. É uma combinação perfeita para esse menino prodígio, descrito desde o início como o “Pequeno Jesus Negro do golfe”.
Nascido em 30 de dezembro de 1975, em Long Beach, Califórnia, Woods é metade afro-americano, um quarto chinês e um quarto apache por parte do pai, e tailandês, chinês e branco caucasiano por parte de mãe. Sua primeira tacada foi observada aos nove meses. Aos 18 meses, ele bateu suas primeiras bolas. As primeiras multidões; os primeiros aplausos. Aos dois anos e meio, seu primeiro programa de televisão. Aos 3 anos, ele jogou em um campo de nove buracos em 48 tacadas.
Aos onze anos de idade, ele havia conquistado trinta títulos de cadete e júnior. Ele nunca havia sido derrotado. A lenda nasceu, e os recordes começaram. Listar todos seria tedioso. Vamos resumir tudo com esta frase de Tiger: “Eu gosto de ser único. Gosto de fazer coisas que nunca foram feitas antes”. Vencer é ser o primeiro; estabelecer um recorde é ser o único. A busca de Tiger Woods é por recordes. Aos vinte anos, ele era simplesmente o maior amador de todos os tempos. E o que dizer de sua estreia profissional! Ele venceu dois de seus cinco primeiros torneios. Incrível!
E então, alguns meses depois, em 13 de abril de 1997, veio a bomba do Masters. Naquele dia, Tiger fez mais do que apenas vencer um dos principais torneios, um daqueles famosos Grand Slams que os campeões “perseguem” durante toda a vida para entrar para a história. O evento foi descrito como uma “bomba”, porque Tiger adicionou brio à mistura e quebrou todos os recordes: de vencedor mais jovem, do campo e de maior diferença em relação ao segundo colocado (doze pontos!). “Conseguimos, pai! Conseguimos!”, sussurrou ele ao ouvido do pai ao final do último buraco, deixando escapar uma lágrima…
O que você acha que Tiger decidiu fazer no dia seguinte a essa vitória? Comemorar com seus amigos? Tomar o doce coquetel da conquista por alguns dias? Nada disso. Nos dias que se seguiram, ele foi encontrado sozinho, trancado em seu quarto, assistindo à televisão por horas a fio. No programa: Tiger Woods! Ao sair do Masters, ele pediu as fitas do torneio. As imagens passam repetidamente. Ao que parece, ele decidiu reviver cada momento, cada movimento. Mas certamente não por prazer. Com certeza, ele está procurando algo. Enquanto seus entes queridos estão ocupados, seus adversários estão treinando, o mundo está girando, ele está sozinho em seu quarto, procurando, imaginando. Ele sente que algo está errado. O timing é propício, o putting também. Mas, no final, o veredicto é duro e rápido: foi o swing!
“Não está indo bem”, diz ele ao telefone para seu técnico, que não acredita no que escuta. “É o swing, tem que mudar tudo!” Há apenas algumas horas, Woods havia vencido o torneio mais prestigiado do mundo, e da maneira mais deslumbrante possível, mas agora as coisas não estão bem! O que o está incomodando? Um pequeno grão de areia em seu swing que só ele pode ver.
No fundo, ele já está se fazendo uma grande pergunta: “O que estou procurando? Ganhar muito dinheiro nos profissionais, continuar sem mudar nada, esperando fazer mais algumas grandes jogadas como essa? Ganhar alguns majors e me aposentar em alguns anos para contar meu dinheiro? “. Concordar em fazer concessões com um jogo que agora é eficaz, mas imperfeito? Em pouco tempo, o desgaste e a competição revelarão rapidamente seus limites. Será que ele se deixará embalar pelo canto da sereia e pela bajulação da opinião pública, quando conhece seus próprios erros? Será que ele não prefere viver a aventura até o fim, não poupando esforços para descobrir seu verdadeiro valor um dia, para conquistar o lugar que é seu por direito?
Ele estabelece suas condições: quer começar do zero. Sem compromissos, aconteça o que acontecer, e ele impõe uma cláusula ao seu técnico: “Reconstruir tudo, em tempo integral. Nenhum conselho aqui ou ali, nenhuma ida rápida ao campo de golfe. Manhã e tarde, noite e dia, à minha disposição. E isso tem de ser feito em sigilo absoluto”. O treinador concorda, mas adverte seu protegido de que essa mudança pode levar dois anos. Tiger desliga o telefone; ele acabara de tomar a decisão mais importante de sua vida. Woods não ganhou praticamente nada nas duas temporadas seguintes. Seria uma longa jornada rumo à natureza selvagem. No início, os resultados foram catastróficos. “Revisar um swing como aquele, que estava enraizado em seus nervos e músculos havia pelo menos vinte anos, era como desmontar um relógio. Todas as molas e peças estão lá, espalhadas sobre a mesa, mas nada mais funciona.”
Qual é o problema? É difícil descrever. Não temos a linguagem para decifrar o ajuste fino do corpo humano. Os atletas de alto nível falam a linguagem das sensações. Todo o trabalho consiste em torná-las concretas, colocando palavras nelas: evitar compensações, apagar gestos parasitas, concentrar-se nos segmentos-chave do swing, nos poucos centímetros a partir dos quais todo o resto fluirá, aceitar perder em potência o que se ganha em precisão e, depois que o gesto tiver sido purificado, buscar potência novamente… Encontrar o equilíbrio perfeito entre força e delicadeza, o meio-termo, aquele corredor estreito onde a potência pode ser finalmente liberada sem impedir que o gesto mantenha seu objetivo essencial: ser capaz de se repetir cem vezes seguidas da mesma maneira.
No caso de Tiger Woods, essa busca deve ser acompanhada de um profundo desenvolvimento muscular. Cuidado para não escolher os músculos errados! Alguns precisam permanecer flexíveis, outros precisam ficar firmes. Ninguém sabe nada sobre o programa que vai mudar o corpo do jovem: as sessões acontecem diariamente em uma sala vazia. O segredo é bem guardado. Enquanto isso, a imagem de Tiger Woods estava se deteriorando. Será que a “bomba” no Masters foi apenas um lampejo? Os patrocinadores estão em pânico ao verem seus investimentos derreterem como neve ao sol. O escolhido, o messias, não está mais vencendo: traição! A mídia o assediou. Quando você é escolhido para fazer as pessoas sonharem, você tem o direito de decepcionar, o direito de ser humano?
Tiger mantém sua posição. Sua abordagem irônica é tão meticulosa quanto suas tacadas de aproximação, mantendo os lobos à distância. Mas por mais quanto tempo? Ele também tem seus momentos de desânimo. Não suporta ouvir as mesmas perguntas repetidas vezes, quando lhe dizem “Mas no Masters…”. Ele teve uma série de desempenhos ruins e caiu na classificação: 12º, depois 25º, depois 33º. O homem que havia ajudado a aumentar os direitos televisivos do golfe e carregava esse esporte de rápido crescimento nos ombros não estava mais nem na televisão. Os desempenhos dos “desclassificados” ocorrem quando as câmeras estão desligadas.

Mas então, em 1998, Woods subiu ao pódio uma vez. Depois, obteve alguns resultados aqui e ali, insignificantes aos olhos daqueles que proclamaram sua queda, mas que lhes deram um vislumbre de luz no fim do túnel. Ele continua, nunca satisfeito, ainda determinado. Ele não sai, recusa recepções. As únicas coisas que contam em todo o mundo são as setecentas bolas que ele bate todos os dias nos treinos. Ninguém sabe o que ele faz nas quadras de treino, esse mundo paralelo que se tornou seu. Como alguém poderia saber que era ali que Tiger estava ganhando?
Certa noite, na área de treinamento em Isleworth, Flórida, perto de sua casa, enquanto ele tacava as bolas, algo aconteceu: uma bola voou, como tantas outras que vão para o cemitério das ilusões de todo jogador de golfe, mas o impacto ressoou dentro dele como um chamado, como uma música maravilhosa vinda do nada. É uma bola que vale seu peso em ouro. Ele sente um choque que o perfura. Ele sentiu a sensação de perfeição, a busca insana na qual havia embarcado tantos meses antes e não tinha certeza se conseguiria! Naquele momento, ele sentiu que tudo estava no lugar. Tudo se encaixava. Mil músculos, quatro membros, vinte bilhões de neurônios e nem uma única dúvida. O novo swing era exatamente como o antigo: absolutamente natural, mais controlado, um swing para durar. Ele alcançou aquele êxtase conhecido pelos grandes criadores: ele não tem mais um swing, ele é o seu swing.
Chocado com a revelação, foi para casa e pegou o telefone, assim como havia feito dois anos antes, para ligar para seu técnico. Ele pronunciou apenas três palavras: “É isso aí!”
O resto é história: um voo para o período mais fenomenal já vivido por um jogador de golfe. O número dois do mundo, que foi quatro vezes vice-campeão com Woods, não se enganou quando disse em junho de 1999: “Tiger Woods está de volta, pessoal. Eu vi isso em seus olhos”.